terça-feira, 20 de dezembro de 2011


“Certas coisas não se explicam. Não existem palavras que as descrevam ou soluções que as resolva. Sentimentos, gestos, sonhos e sorrisos. A alma entende e a boca cala.”
 
Fernanda Mello


Dos caminhos: passos longos. Presente passado nem tão limpo. Futuro. Descanso cercado em flor e uma saudade muda. Carrega nas mãos o desejo da alma e conserva na fronte a benção. É movida pela fé. Cambaleia. Ao levantar, ora e agradece. Rápido traça o sinal da cruz como quem não esquece do que foi. Em seguida recomeça. Apaga o sonho e ascende uma estrela. O ano mais uma vez deixa sua marca no rebento das lembranças. Pensa no que pode ser doce. Guarda. Um sorriso quente que não se vê. Sintoniza uma estação de suspiro. Tem cheiro de azul dias assim. A palavra é primavera. Coração chora mas não morre. Enquanto o destino brinca, vive feliz.

vanessa leonardi

terça-feira, 15 de novembro de 2011



Sai pela porta, mas deixa sempre uma janela aberta. Apressa o passo. Pula umas pedras pelo caminho e vai. Um sorriso aberto feito sol de verão que inaugura o dia. Lembra da menina que era ainda em outras primaveras. Quem inaugurava agora, era ela. Estampa o rosto de mudança. Percebe o tamanho das pernas. Prontas para pular. Agora abismos. Essa era sua especialidade. Pulos. Sempre em frente. Depois de muito tempo, ela agora sabia bem onde queria chegar.


Vanessa Leonardi

segunda-feira, 14 de novembro de 2011



Provavelmente as coisas mudariam com o tempo, com o passar de cada dia, aqueles longos, compridos, esticados num relógio feito para esmagar a paciência de quem chora, sim, as coisas ficariam bem. Tudo ficaria organizado, como meias colocadas na gaveta, como roupas separadas por cores, como chuva com hora certa para chover, mês certo para ir embora. Mas, quem é que disse que o coração sabe esperar pelo tempo? Coração desconhece lugar, não conta noites nem estações. Coração dispensa até mesmo o óbvio por que é imediatista. Coração precisa de nuvem pra chover em tempo de seca e não quer esperar o horário do tempo marcado. Precisa de doçura que antecipe a doçura que está por vir. Quer lenços que sequem as lágrimas que ainda nem se quer molharam o rosto. Coração é impaciência, desespero, tem medo do medo. Provavelmente, sim, é claro que as coisas mudariam com o tempo, com o passar de cada dia, mas ela queria a cura pra ontem.

Camila Heloíse



segunda-feira, 17 de outubro de 2011


O que me vale é que tenho uma alma muito bem-disposta, todos temos, ela sempre dá um jeito de me fazer encarar as lições. Apronta mestres. Improvisa material didático. Reinventa métodos. Brinca com a minha ilusória fuga. Aguarda-me nas salas de aula porque sabe que, no fim das contas, eu apareço.   Aguarda-me porque sabe que tantas vezes preguiçosa por ter tanto pra aprender, tanto pra curar, tanto pra transformar, no fundo, continuo interessadíssima em crescer.


Ana Jácomo

Cai uma chuva gelada por trás da vidraça. Os dedos dos pés impacientes dentro da meia de lã, as mãos se aquecendo com a xícara de café, os lábios sendo mordiscados com os dentes, um pijama velho, um moletom jogado em cima, os cabelos bem amarrados, os olhos pequenos e perdidos acompanhando o desenho que água faz no vidro da janela.Não me importo em estar assim despojada, só quero me sentir o máximo bem que puder, embora seja improvável isso acontecer em uma noite de sexta, quando o fim de semana chega e você não tem ninguém. Ninguém que vá te abraçar enquanto a chuva cai lá fora. Ninguém que vá acalmar a tempestade que acontece dentro de você. Ninguém que vá te dar a mão quando você tem tanto receio de estar sozinha. Ninguém que ficaria ali, de graça, deitado ao teu lado escutando os trovões. Por um instante você pensa que isso é tão triste, que isso pode ser tão miserável e o amor parece ser uma esmola que você pede em troca de um sorriso, por mais falso que isso pareça. Frágil, o barulho da chuva viola o silêncio do pensamento, da lembrança, da doce ignorância em planejar o futuro. Você tem medo, porque você vê que tem tanta lágrima por dentro, escondida, calada, tímida e um dia chuvoso e frio é tão pouco comparado a tudo que você esconde atrás de um rosto discretamente limpo e doce.



Cáh Morandi

terça-feira, 11 de outubro de 2011


Ilusão: É não querer ir embora de um lugar que nem se quer existe. Quando a miopia já atingiu os olhos do coração. Quando choro já não sabe chorar sem fazer alarde. Quando a birra persiste, insiste imaginando que possa haver alguma solução. Quando os pés tocam o vazio e imaginam tapetes e nuvens, quando cores existem no que na verdade é preto e branco. Ilusão é estender a mão para direção contrária. Oferecer abrigo em temporal para quem prefere andar na chuva. É realizar manifesto solitário. É deixar de amar. De ser. De ser amor. De se amar.

Camila Heloíse

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


Minha avó dizia: para ser feliz, a gente não precisa sair do lugar, a gente tem que ser o lugar


Carpinejar

Não pretendo te contar sobre minhas lutas mentais. Você terá nas mãos minha simplicidade e minha leveza, que podem não ser totalmente verdadeiras, mas foram criadas com muito carinho pra não assustar pessoas como você. Não vou ficar falando sobre a complexidade dos meus pensamentos, minha dualidade ou minhas dúvidas sobre qualquer sentimento do mundo. Vou te deixar com a melhor parte, porque eu sei que você merece. Guardo pra mim as crises de identidade e a vontade de sumir. Não vou dissertar sobre minhas fragilidades e minhas inseguranças. Talvez eu te diga algumas vezes sobre minha tristeza, mas só pra ganhar um pouquinho mais de carinho. Ofereço meu bom humor e minha paciência e você deve saber que esta não é uma oferta muito comum.


Verônica H.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

 
Hoje eu não quero conversas vestidas de uniforme. Diálogos impecavelmente arrumados que não deixam o coração à mostra. As palavras podem sair de casa sem maquiagem. Podem surgir com os cabelos desalinhados, livres de roupas que as apertem, como se tivessem acabado de acordar. Dispensa-se tons acadêmicos, defesas de tese, regras para impressionar o interlocutor. O único requinte deve ser o sentimento. É desnecessário tentar entender qualquer coisa. Tentar solucionar qualquer problema. Buscar salvamento para o quer que seja.

Hoje eu não quero falar sobre o quanto o mundo está doente. Sobre como está difícil a gente viver. Sobre as milhares de coisas que causam câncer. Sobre as previsões de catástrofes que vão dizimar a humanidade. Sobre o quanto o ser humano pode ser também perverso, corrupto, tirano e outras feiúras. Sobre os detalhes das ações violentas noticiadas nos jornais. Não quero o blablablá encharcado de negatividade que grande parte das vezes não faz outra coisa além de nos encher de mais medo. Não quero falar sobre a hipocrisia que prevalece, sob vários disfarces, em tantos lugares. Hoje, não. Hoje, não dá. Não me interessam o disse-que-disse, os julgamentos, a investigação psicológica da vida alheia, os achismos sobre as motivações que fazem as pessoas agirem assim ou assado, o dedo na ferida.

Hoje eu não quero aquelas conversas contraídas pelo receio de não se ter assunto. A aflição de não se saber o que fazer se ele, de repente, acabar. O esforço de se falar qualquer coisa para que a nossa quietude não seja interpretada como indiferença. Hoje eu não quero aquelas conversas que muitas vezes acontecem somente para preenchermos o tempo. Para tentarmos calar a boca do silêncio. Para fugirmos da ameaça de entrar em contato com um monte de coisas que o nosso coração tem pra dizer. Além do necessário, hoje não quero falar só por falar nem ouvir só por ouvir. Que a fala e a escuta possam ser um encontro. Um passeio que se faz junto. Um tempo em que uma vida se mostra para a outra, com total relaxamento, sem se preocupar se aquilo que é mostrado agrada ou não. Se aumenta ou diminui os índices de audiência.

Hoje, se quiser, se puder, se souber, me fala de você. Da essência vestida com essa roupa de gente com a qual você se apresenta. Fala dos seus amores, tanto faz se estão perto do seu corpo ou somente do seu coração. Fala sobre as coisas que costumam fazer você sintonizar a frequência do seu riso mais gostoso. Fala sobre os sonhos que mantêm o frescor, por mais antigos que sejam. Fala a partir daquilo em você que não desaprendeu o caminho das delícias. Do pedaço de doçura que não foi maculado. Da porção amorosa que saiu ilesa à própria indelicadeza e à alheia. A partir daquilo em você que continuou a acreditar na ternura, a se encantar e a se desprevenir, apesar de tantos apesares. Conta sobre as receitas que lhe dão água na boca. Sobre o que gosta de fazer para se divertir. Conta se você reza antes de adormecer.

Hoje, me fala de você. Dos momentos em que a vida lhe doeu tanto que você achou que não iria aguentar. Fala das músicas que compõem a sua trilha sonora. Dos poemas que você poderia ter escrito, de tanto que traduzem a sua alma. Senta perto de mim e mesmo que estejamos rodeados por buzinas, gente apressada, perigos iminentes, faz de conta que a gente está conversando no quintal de casa, descascando uma laranja, os pés descalços, sem nenhum compromisso chato à nossa espera. A gente já brincou tanto de faz-de-conta quando era criança, onde foi que a gente esqueceu como se chega a esse lugar de inocência? Fala da lua que você admirou outra noite dessas, no céu. Da borboleta que lhe chamou à atenção por tanta beleza, abraçada a alguma flor, como se existisse apenas aquele abraço. Diz se quando você acorda ainda ouve passarinhos, mesmo que não possa identificar de onde vem o canto. Diz se a sua mãe cantava para fazer você dormir.

Senta perto e me conta o que você sentiu quando viu o mar pela primeira vez e o que sente quando olha pra ele, tantas vezes depois. Se tinha jardim na casa da sua infância, me diz que flores riam por lá. Conta há quanto tempo não vê uma joaninha. Se tinha algum apelido na escola. Se consegue se imaginar bem velhinho. Fala da sua família, a de origem ou a que formou. Das pessoas que não têm o seu sobrenome, mas são familiares pra sua alma. Fala de quem passou pela sua vida e nem sabe o quanto foi importante. Daqueles que sabem e você nem consegue dizer o tamanho que têm de verdade. Fala daquele animal de estimação que deitava junto aos seus pés, solidário, quando você estava triste. Diz o que vai ser bacana encontrar quando, bem lá na frente, olhar para o caminho que fez no mundo, em retrospectiva.

Podemos falar abobrinhas, desde que sejam temperadas com riso, esse tempero que faz tanto bem. A gente pode rir dos tombos que você levou na rua e daqueles que levou na vida, dos quais a gente somente consegue rir muito depois, quando consegue. A gente pode rir das suas maluquices românticas. Das maiores encrencas que já arrumou. Das ciladas que armaram para você e, antes de entender que eram ciladas, chegou até a agradecer por elas. De quando descobriu como são feitos os bebês. A gente pode rir dos cárceres onde se prendeu e levou um tempo imenso pra descobrir que as chaves estavam com você o tempo todo. Das vezes em que se sentiu completamente nu diante de um Maracanã, tamanha vergonha, como se todos os olhos do mundo estivessem voltados na sua direção. Das mentiras que contou e acreditaram com facilidade. Das verdades que disse e ninguém levou a sério.

Não precisa ter pauta, seguir roteiro, deixa a conversa acontecer de improviso, uma lembrança puxando a outra pela mão, mas conta de você e deixa eu lhe contar de mim. Dessas coisas. De outras parecidas. Ouve também com os olhos. Escuta o que eu digo quando nem digo nada: a boca é o que menos fala no corpo. Não antecipe as minhas palavras. Não se impaciente com o meu tempo de dizer. Não me pergunte coisas que vão fazer a minha razão se arrumar toda para responder. Uma conversa sem vaidade, ninguém quer saber qual história é a mais feliz ou a mais desditosa.

Hoje eu quero conversar com um amigo pra falar também sobre as coisas bacanas da vida. As miudezas dela. A grandeza dela. A roda-gigante que ela é, mesmo quando a gente vive como se estivesse convencido de que ela é trem-fantasma o tempo inteiro. Um amigo pra falar de coisas sensíveis. Do quanto o ser humano pode ser também bondoso, honesto, afetuoso, divertido e outras belezas. Dos lugares onde nossos olhos já pousaram e daqueles onde pousam agora. Um amigo para conversar horas adentro, com leveza, de coisas muito simples, como a gente já fez mais amiúde e parece ter desaprendido como faz. Um amigo para se conversar com o coração.

E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras.
 
Ana Jácomo

segunda-feira, 22 de agosto de 2011


"Quem disse que estar no meio de muita gente é garantia de ter alguém? Cada vez me convenço, talvez você também, de que são poucas as pessoas que na vida são capazes de nos deixar a vontade pra a gente ser o que a gente é, são poucas as pessoas que diminuem e que cessam a nossa solidão, porque a solidão só vai embora quando o coração consegue ser o que ele é, sem precisar mentir, sem precisar inventar, sem precisar usar máscaras."

(Pe. Fábio de Melo)


"O sabor está nas passagens. O definitivo é cansativo demais. (...) Tudo que não muda nos condena, nos condiciona. O bom da vida é saber que passa. Um fim de tarde com toda a sua beleza não cabe no tempo. E por isso ele se vai. (...) A beleza está nos intervalos, nos espaços de luz em que a sombra já se mostra."

Fábio de Melo - Mulheres de Aço e de Flores

sábado, 23 de julho de 2011


"A arquitetura da minha alma é barroca. Sou fraca, sou forte, sou luz e sou sombra. Sou de aço, sou de flores." 

P. Fabio de Mello

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão
Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 22 de julho de 2011


Chega um momento em que a gente se dá conta de que, às vezes, para sermos verdadeiros com nós mesmos, precisamos ter o desprendimento para abençoar as tentativas sem êxito, agradecer pelo o que cada uma nos ensinou, e seguir. De que, às vezes, para se reconstruir, é preciso demolir construções que, por mais atraentes que sejam, não são coerentes com a ideia da nossa vida. A gente se dá conta do quanto somos protegidos quando estamos em harmonia com o nosso coração. De que o nosso coração é essencialmente puro. Essencialmente, amoroso, o bordador capaz de tecer as belezas que se manifestam no território das formas. De que, sabedores ou não, é ele que tem as chaves para as portas que dão acesso aos jardins de Deus. E, vez ou outra, quando em plena comunhão criativa, entra lá, pega uma muda de planta e traz para fazê-la florescer no canteiro do mundo.


Ana Jacomo

"porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência."

Caio fernando Abreu

"Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais -por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia –qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.Eu prefiro viver a ilusão do quase, quando estou "quase" certa que desistindo naquele momento vou levar comigo uma coisa bonita. Quando eu "quase" tenho certeza que insistir naquilo vai me fazer sofrer, que insistir em algo ou alguém pode não terminar da melhor maneira, que pode não ser do jeito que eu queria que fosse, eu jogo tudo pro alto, sem arrependimentos futuros! Eu prefiro viver com a incerteza de poder ter dado certo, que com a certeza de ter acabado em dor. Talvez loucura, medo, eu diria covardia, loucura quem sabe!”

Caio fernando Abreu

Incomodidade

Mente é casa que não tem paredes, mas nos acostumamos a viver como se tivesse. E, não é raro, passamos temporadas no cômodo mais apertado.

Ana Jacomo

domingo, 26 de junho de 2011


Falamos e ouvimos à beça sobre o amor desde pequenininhos, já sabedores ou não do que se trata ou minimamente da vizinhança disso. E, apesar das nossas singularidades, costumamos ter pelo menos um desejo comum: queremos amar e ser amados. Amados, de preferência, com o requinte terno da incondicionalidade. Na celebração das nossas conquistas e na constatação dos insucessos. No apogeu do nosso vigor e no tempo do nosso encolhimento. Na vez da nossa alegria e no alvorecer da nossa dor. Na prática das nossas virtudes e no embaraço das nossas falhas. Mas não é preciso viver muito para percebermos que não é assim que o amor, na prática, costuma acontecer.

Temos facilidade para amar o outro nos seus tempos de harmonia. Quando realiza. Quando progride. Quando sua vida está organizada e seu coração está contente. Quando não há inabilidade alguma na nossa relação. Quando ele não nos desconcerta. Quando não denuncia a nossa própria limitação. A nossa própria confusão. A nossa própria dor. Fácil amar o outro aparentemente pronto. Aparentemente inteiro. Aparentemente estável. Que quando sofre, para não incomodar, por costume ou vaidade, não faz ruído algum.

Fácil amar aqueles que parecem ter criado, ao longo da vida, um tipo de máscara que lhes permite ter a mesma cara quando o time ganha e quando o cachorro morre. Fácil amar quem não demonstra experimentar aqueles sentimentos que parecem politicamente incorretos nos outros e absolutamente justificáveis em nós. Fácil amar quando somos ouvidos mais do que nos permitimos ouvir. Fácil amar aqueles que vivem noites terríveis, mas na manhã seguinte se apresentam sem olheiras, a maquiagem perfeita, a barba atualizada.

É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto, e o chope é gelado. Nos cafés, após o cinema, quando se pode filosofar sobre o enredo e as personagens com fluência, um bom cappucino e pão de queijo quentinho. Nos corredores dos shoppings, quando se divide os novos sonhos de consumo, imediato ou futuro. É fácil amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nos encontros erotizados, nas festas agendadas no calendário do de vez em quando.

Difícil é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada. E entende tudo errado. E paralisa. E se vitimiza. E perde o charme. O prazo. A identidade. A coerência. O rebolado. Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não aceitamos que ele esteja. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que todos já foram embora. Quando as cortinas se abrem e ele não vê mais ninguém na plateia. Quando até a própria alma parece haver se retirado.

Difícil é amar quando já não encontramos motivos que justifiquem o nosso amor, acostumados que estamos a achar que o amor precisa estar sempre acompanhado de explicação plausível, estatísticas promissoras, balancetes satisfatórios. Difícil amar quando momentaneamente parece existir somente apesar de. Quando a dor do outro é tão intensa que a gente não sabe o que fazer para ajudar. Quando a sombra se revela e a noite se apresenta muito longa. Quando o frio é tão medonho que nem os prazeres mais legítimos oferecem algum calor. Quando ele parece ter desistido principalmente dele próprio.

Difícil é amar quando o outro nos inquieta. Quando os seus medos denunciam os nossos e põem em risco o propósito que muitas vezes alimentamos de não demonstrar fragilidade, vulnerabilidade, invencibilidade, lógica. Quando a exibição das suas dores expõe, de alguma forma, também as nossas, as conhecidas e as anônimas, as antiquíssimas e as recém-nascidas. Quando o seu pedido de ajuda, verbalizado ou não, exige que a gente saia do nosso egoísmo, do nosso sossego, da nossa rigidez, do nosso faz-de-conta, para caminhar humanamente ao seu encontro. E, ao encontrá-lo, talvez lhe dizer a verdade: “eu sei o quanto você está doendo porque eu já doí também” ou “eu sei o quanto você está doendo porque estou doendo também, agora” e/ou “porque vivo, eu estou à mercê de doer de novo.”

Difícil é amar quando o outro repete o filme incontáveis vezes e a gente não aguenta mais a trilha sonora. Quando caminha pela vida como uma estrela doída que ignora o próprio brilho. Quando se tranca na própria tristeza com o aparente conforto de quem passa um feriadão à beira-mar. Quando sua autoestima chega a um nível tão lastimável que, com sutileza ou não, afasta as pessoas que acreditam nele. Quando parece que nós também estamos incluídos nesse grupo.

Difícil é amar quem não está se amando. Mas esse talvez seja, sim, o tempo em que o outro mais precisa se sentir amado. Eu não acredito na existência de botões, alavancas, recursos afins, que façam as dores mais abissais desaparecerem, nos tempos mais devastadores, por pura mágica. Mas eu acredito na fé, na vontade essencial de transformação, no gesto aliado à vontade, e, especialmente, no amor que recebemos, nas temporadas difíceis, de quem não desiste da gente. Acredito porque nos momentos mais doídos da minha jornada até aqui eu nunca encontrei nenhum botão mágico, mas tive fé, tive gesto, e, felizmente, tive quem me amasse sem desistir de mim.

A empatia, a memória, a honestidade emocional, são também grandes aliadas do amor.
 
 
 Ana Jacomo
 

quarta-feira, 22 de junho de 2011


Na era da geração auto-suficiente ser sentimentalmente ativo é um privilégio. Na geração em que a aparência vale mais que mil palavras, colocar o coração pra funcionar é quase artigo raro. Ponto para aqueles que “sobreviveram” as atitudes egoístas e que não se venderam a nenhum ato mesquinho. Sorte de quem enche a boca pra dizer o que sente e acende os olhos pra comprovar que é verdade. Graças a esse seleto grupo sentimentalmente ativo, o amor ainda resiste e é praticado em todos os gêneros e de todas as formas. Porque a boa vontade das pessoas até pode ficar inativa, mas aqui, o altruísmo é quem vai comandar.


Fernanda Gaona

Eu gosto de quem facilita as coisas. De quem aponta caminhos ao invés de propor emboscadas. Eu sou feliz ao lado de pessoas que vivem sem códigos, que estão disponíveis sem exigir que você decifre nada. O que me faz feliz é leve e, mesmo que o tempo leve, continua dentro de mim.
Eu quero andar de mãos dadas com quem sabe que entrelaçar os dedos é mais do que um simples ato que mantém mãos unidas. É uma forma de trocar energia, de dizer: você não se enganou, eu estou aqui. Porque por mais que os obstáculos nos desafiem o que realmente permanece, costuma vir de quem não tem medo de ficar. 


Fernanda Gaona



"Eu busco a frase de cada dia, o poema que me espera na esquina, o recado de Deus escrito na minha geladeira... Eu vivo assim... Sem doma, sem dona, sem porteiras, porque a felicidade é meu destino de honra, meu brasão e minha bandeira." 

segunda-feira, 20 de junho de 2011


“O estilo, diverso da língua, não se recebe. Diz respeito à zona dolorosa e brilhante na qual alguém se reconhece aos poucos – com susto ou serenidade- sendo-se o que se é”.(...)

 
Roberto Corrêa dos Santos - Modos de Saber, Modos de Adoecer


'É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas (...) Mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça.' 


Cora Carolina

sexta-feira, 15 de abril de 2011


'O chamado da vida que nos convoca de mil formas: anda, sai do marasmo, VIVE! Que nossas agendas (também as interiores) nos permitam muitas vezes a plenitude do nada sorvido como um gole de champanhe, celebrando tudo. Sem culpa.' 


[Lya Luft]


Sinto orgulho em saber que meu passado me permitiu ter mais sensibilidade. Hoje me sinto menos tempestuosa e mais, bem mais pronta, próxima de mim, do que fui, do que sou, dessa pessoa que o tempo me fez. Hoje, sou mais compreensiva diante desse futuro que me brinda com gentil delicadeza. Surpreendo-me quando me pego espalhando flores no caminho que cruzo. Quem sabe essa não seja a confirmação de que preciso continuar. Acho que isso é o que me salva todos os dias. É essa esperança de vida que me consome.


Bibiana Benites

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011


"A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa."


Martha Medeiros

E ainda que as janelas se fechem meu Pai, é certo que amanhece.


Hilda Hilst

sábado, 12 de fevereiro de 2011



'Enquanto não superarmos a ânsia do amor sem limites, não podemos crescer Enquando não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um.' emocionalmente.


Fernando Pessoa

"Aquele menino trazia na testa a marca inconfundível: pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas às vezes sem saber por que, não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas pelo prazer de mergulhar. Essas são as escolhidas as que vão ao fundo, ainda que fiquem por lá. (...) Ele não era um menino comum, isso eu soube desde que o vi. Ainda que andasse vestido da mesma maneira que os outros, tivesse as mesmas conversas e as mesmas brincadeiras, eu sempre pressenti nele aquele sangue que não corria nos outros. (...) Parecia não saber andar no chão, parecia não ter peso nenhum: era inteiro leveza, amor, bondade, embora houvesse na lentidão de seus gestos qualquer coisa de definitivo." 


Caio F.


"Tinha um jeito singular de fechar os olhos quando experimentava emoção bonita, coisa de segundos e coisa imensa. Era como se os olhos quisessem segurar a lindeza do instante um bocadinho, o suficiente para levá-lo até o lugar onde o seu sabor nunca mais poderia ser perdido. Eu via, olhos do coração abertos, e nunca mais perdi de vista o sabor desse detalhe. Porque quem ama vê miudezas com olhar suficiente pra nunca mais se perderem."  


Ana Jácomo

" Você é quem decide o que vai ser eterno em você, no seu coração. Deus nos dá o dom de eternizar em nós o que vale a pena, e esquecer definitivamente aquilo que não vale. "


Pe. Fábio de Melo

Eu posso sentir isso de novo. Que bom. Achei que eu ia ser esperta pra sempre, mas para a minha grande alegria estou me sentindo uma idiota. Sabe o que eu fiz hoje? As pazes com o Bob Marley, com o Bob Dylan e até com o ovomaltine do Bob’s. As pazes com os casais que se balançam abraçados enquanto não esperam nada, as pazes com as pessoas que não sabem ver o que eu vejo. E eu só vejo você me ensinando a dar estrela. Eu só vejo você enchendo minha vida de estrelas. Se você puder, não tenha medo. Eu sou só uma menina que voltou a ver estrelas. E que repete, sem medo e sem fim, a palavra estrela no mesmo parágrafo. Estrela, estrela, estrela. Zilhões de vezes.


Tati Bernardi

Desnecessárias são perguntas e respostas quando a realidade não precisa de palavras para dizer o que é. Muitas vezes o que, de verdade, nos falta é a coragem da aceitação. A coragem para admitir que tudo o que foi trocado cumpriu o seu destino da melhor maneira que conseguiu, no tempo que conseguiu, e foi. A coragem para abençoar e simplesmente seguir, coração sem névoa de pergunta, sem névoa de resposta, apenas grato pelo que deu pra ser. Dor maior que o desapego é viver de mentirinha o que já morreu.


Ana Jácomo

domingo, 6 de fevereiro de 2011


De vez em quando, eu encontro pelo caminho um desafio mal resolvido no passado. Vestido de outro jeito, outro cenário, outro fundo musical, geralmente, mas a essência é a mesma, eu o reconheço pelo cheiro. Frente a frente, de novo, a pergunta que me faz é clara e objetiva: eu saberei fazer diferente desta vez? A resposta depende apenas do quanto, de verdade, eu consegui aprender na vez anterior.
Se as experiências difíceis não nos sensibilizam o suficiente para extrairmos algum aprendizado delas, podem virar apenas dor acumulada, raiva que não escoa, medo que paralisa, onda amarrada. Quando um antigo desafio reaparece é a chance para percebermos o quanto já avançamos desde o nosso último encontro ou o quanto, sem notar, ainda não saímos do lugar onde já nos prendemos com ele.
Se não saímos, é bem capaz de repetirmos a resposta, com todas as suas consequências, até a próxima oportunidade de pergunta. Porque o tal desafio volta, costuma voltar, várias vezes, até conseguirmos liberar um ao outro.


Ana Jácomo

'No coração: tantas luas, São Jorges e dragões. O olhar limpo de noite clara. Vôos de flamingos no estômago. De quando você me olha e traça, sem saber, no ar, com o clarão do teu sorriso, uma rosa-dos-ventos. E isso me desterritorializa. Mas, já fiz as minhas preces.'



Cecília Braga

Plenitude não é extensão nem permanência: é quando a vida cabe no instante presente, sem aperto, e a gente desfruta o conforto de não sentir falta de nada.
 

Ana Jácomo



Meu Deus, não sou muito forte, não tenho muito além de uma certa fé- não sei se em mim, se numa coisa que chamaria de justiça-cósmica ou a-coerência-final-de-todas-as-coisas. Preciso agora da tua mão sobre a minha cabeça. Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir. Que eu continue alerta. Que, se necessário, eu possa ter novamente o impulso do vôo no momento exato. Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém. Livra-me dos poços e dos becos de mim, Senhor. Que meus olhos saibam continuar se alargando sempre.


Caio F.

As pessoas têm medo das mudanças.
Eu tenho medo que as coisas nunca mudem.


Chico Buarque

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011


Os vencedores são mesmo um pouco egoístas e apesar de você ter me visto tanto e feito tanto e sido mais do que tanta gente que tentou bastante, é claro que a luz principal você deve guardar para o seu caminho que eu tenho certeza que será maravilhoso. Olhar com amor requer um tempo que pessoas de passagem não podem e não devem ter e eu, em vão, tentei ser aquele maluco da plateia que agarrou o corredor rumo ao pódio solitário.
Você está certo em exibir ao mundo tantos dentes e tão brancos. Eu é que estou errada quando paro um pouquinho para olhar com tristeza esses sustos do amor.

Tati B.

 
Sei todos os ângulos de ir, mas vivo no lugar de quem fica.

Tati B.


Só outra pessoa que tivesse experimentado saberia o que ela sentia, pois de quase tudo o que importa não se sabe falar.
 

Clarice Lispector


Sabemos que aquilo que vive tem seu tempo e, quer queira, quer não, é ininterruptamente tocado pela mudança. Sabemos que ela, essa inventiva e imprevisível desenhista, modifica as feições de tudo a cada segundo com mãos hábeis e movimentos muitas vezes imperceptíveis. Sabemos, mas costumamos agir como se ignorássemos, talvez no afã de ignorarmos que também a nossa vida dança de acordo com a música da irrevogável lei da impermanência. Por mais que possa ser difícil admitir, não temos o mínimo controle com relação ao tempo de nada, inclusive do nosso. Saber disso pode ser apenas assustador. Saber disso pode, de variados jeitos, nos fazer sofrer e amarrar os nossos passos. Mas a clara consciência disso também pode abrir nossos caminhos. Também pode fazer uma diferença incrível. Também pode ser uma perspectiva que nos motive a viver a oportunidade de cada instante com mais atenção, responsabilidade, afeto, liberdade, inteireza.
 

Ana Jácomo

O melhor presente que podemos dar para a nossa vida e para outras, a cada respiro, é estarmos plenamente presentes. Sinceramente presentes. Amorosamente presentes. É sermos presentes para nós mesmos e uns para os outros com o coração. Adiamento é sempre dúvida. Às vezes, dívida. 
 

Ana Jácomo

Quem dera eu aprendesse a viver cada dia como se fosse o último. O último pra esquecer tolices. O último para ignorar o que, no fim das contas, não tem a menor importância. O último para rir até o coração dançar. O último para chorar toda dor que não transbordou e virou nódoa no tecido da vida. O último para deixar o coração aprontar todas as artes que quiser. O último para ser útil em toda circunstância que me for possível. O último para não deixar o tempo escoar inutilmente entre os dedos das horas.


Ana Jácomo

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011



Lembra o tempo em que você sentia, e sentir era a forma mais sábia de saber, e você nem sabia?
 

Alice Ruiz


Hoje, com toda minha birutice e uma vontade de aprender que não acaba, eu pego minhas fraquezas. Deixo-as enfileiradas. E as estudo como se minha vida dependesse disso. Com o auto-controle nas mãos, um depósito debaixo do braço e nossos inimigos internos dormindo, podemos - quem sabe? - nos tornar guerreiros impecáveis. Ou - se não - apenas sorrir mais.
O que pra mim já vale a luta. Ou uma vida inteira.

Fernanda Mello

Acende velas e dança. O corpo só conhece o ritmo indiano: o coração é quem marca o tempo. Vontade faz as vezes de compasso e a alma gira. Quando criança fazia o balanço ganhar altura para alcançar estrelas. Por isso, hoje rodopia enquanto canta. E acredita que as notas mais altas são capazes de balançar o coração de Deus. E que as mais baixas fazem com que ele se incline suave só para escutar. Quando se sente só, canta baixinho. Até encontrar um sorriso num gorjeio de passarinho. Sua alegria é feita de grãos. Quando a felicidade lhe varandeia os olhos, contagia. A saudade sempre lhe chega num pé de vento. E ela suspira. Há de ter um lírio azul tatuado nas costas. Tem uma flor geminando na alma. Quando expira, polén. Sabe adornar um vazio: esse poço antigo enlaçado de flores. Amarelas. Onde se mata a sede. Na mão aperta, com fé, uma estrela cadente: essa possibilidade. Risca no ar um desejo enquanto se desfaz. Poeira lunar nos pés. Raio de sol para fisgar novo dia. E um sopro suave para mudar o ar dessa noite. Tira o laço vermelho que lhe apertava o peito, amarra nas bordas do dia. A barra da saia pespontada de horizontes. O pensamento branco, branco. Azul. Amarelo. Verde. Uma paz inquieta. As unhas vermelhas e os cabelos escoando o orvalho desse novo dia. No céu, nuvens de filó. E a terra gira azul, azul, feito saia. Sorri, o mundo dança.
 

Cecília Braga

Se, ao acordar, posso escolher uma roupa, posso escolher também o sentimento que vai vestir meu dia. Se, no percurso, posso errar o caminho posso também escolher a paisagem que vai vestir meus olhos. A mesma articulação que tenho para reclamar, tenho para agradecer. E, se posso me adornar com a alegria, não é a tristeza que eu vou tecer. Que hoje e sempre, seja mais um belo dia! 
 
 
Marla de Queiroz

Uma vez me disseram que a proporção de tristeza em cada menina estava diretamente ligada com a beleza dela: quanto mais bonita, mais triste. Quanto mais enfeitam para atrair olhares, mais olhares vazios elas conseguem...
 

Rani G.